ELTON JOHN E OS ANOS 70
Para compreender o universo que cerca o artista é necessário tomar conhecimento das tendências que fizeram parte da década de 70, sendo no meio musical e cultural. As matérias ,à seguir, tentam traçar o perfil da década e suas nuances.
Em 1970 o rock, assim como os roqueiros da primeira geração, já haviam atingido sua maioridade e a inocência dos primeiros tempos era apenas passado. As grandes bandas em sua maioria estavam cercadas dos melhores equipamentos de estúdio e mesmo orquestras (bastante emblemático é o lançamento do Deep Purple, Concerto For Group And Orchestra). Um outro grande passo para a sofisticação fora também a rápida difusão dos sintetizadores (a início os Moogs e Minimoogs inventados por Robert Moog), teclados capazes de criar novas tessituras e variedades sonoras antes impraticáveis.
O fim dos Beatles foi emblemático do fim de mais uma era no rock. Haviam sido talvez a banda que mais ajudara na transição entre o rock básico de letras simples dos primeiros tempos ao rock mais complexo e sério musicalmente e liricamente. Não mais apenas diversão e produto de consumo o rock era definitivamente encarado como expressão artística e social.
O publico de rock se dividia em duas frentes, a dos adolescentes mais interessados nos hits singles de bandas teoricamente "descartáveis" e a dos já amadurecidos rockers dos primeiros tempos, em busca de experimentação, letras elaboradas, álbuns completos.
O rock progressivo começava a se apresentar ao grande público e Greg Lake, após abandonar a banda King Crimson, formava a clássica banda Emerson, Lake & Palmer (acompanhado de Keith Emerson e Carl Palmer), cativando um público cada vez mais sério. O álbum Deja Vu de Crosby, Stills, Nash & Young, é o mais vendido do ano nos estados unidos. Com a aquisição do baterista Phill Collins a banda Genesis iniciava sua careira de sucesso.
Emerson, Lake & Palmer
Embora o rock progressivo continuasse em expansão, bandas de musicalidade mais simples e muito baseadas no apelo fácil da rebeldia voltavam a surgir para suprir a nova geração, principalmente nos Estados Unidos, como Slade, Sweet, Gary Glitter, T Rex, ou conseguiam um sucesso tardio, como David Bowie, Bay City Rollers e Elton John. A imagem (maquiagem, cabelos, roupas exageradas e coloridas) de músicos como Marc Bolan, do T Rex, iniciavam a definição do estilo Glam Rock (que aproveitavam a imagem exdrúxula e em muitos casos andrógina como fator de marketing).
DAVID BOWIE
MARC BOLAN
Na Inglaterra, em 1970, sem requintes musicais, o Black Sabbath gravava seu primeiro disco (conta a lenda que em apenas dois dias), auto entitulado, expandindo as fronteiras do "peso" no hard rock e criando o que possivelmente poderia ser o primeiro disco definitivamente heavy metal conhecido do grande público. O limite dos escândalos envolvendo sexo, drogas e "satanismo" também é empurrado para diante.
Munido de maquiagem e teatralidade inéditos até então Alice Cooper seria a resposta americana ao inédito peso e atitude do Black Sabbath. Surge para o público em 1971 com o hit Eighteen e o álbum Love It To Death.
ALICE COOPER
A cristalização do uso da imagem, do teatro e da "atitude" como fator de marketing tão ou mais importante do que a própria música seria a banda americana Kiss (que lançou seu álbum de estréia, auto-entitulado, em 1974) cujos músicos tocavam maquiados, assumiam personalidades de demônio, animal, homem espacial e deus, voavam, cuspiam fogo, vomitavam sangue e vendiam discos, maquiagem e bonecos como nenhuma banda de simples músicos poderia vender.
KISS
Em 1975, paralelamente ao rock elaborado das bandas progressivas ou de hard rock (o Queen lançava seu excelente primeiro disco auto-entitulado) e ao rock comercial glam, surgia nos pequenos bares e casas de show dos Estados Unidos um movimento musical underground marcado por descompromisso e cheio da autenticidade e da real rebeldia que faltava a estes primeiros. Em pequenos locais (como o emblemático CBGB em New York) bandas como Blondie e Ramones. O estilo era marcado pelo "do-it-yourself", a possibilidade de qualquer um (mesmo que não sabendo tocar) montar uma banda.
Foi responsabilidade de Malcon McLaren, até então dono de uma loja de roupas de couro (de certa forma uma sex shop) em Londres, o aproveitamento do novo estilo como algo comercial. Não tendo sido bem sucedido em empresariar a banda americana New York Dolls (que já estavam em franca decadência), McLaren voltou a Londres com a finalidade de montar ele próprio uma banda usando o padrão que havia conhecido nos Estados Unidos. Entre clientes de sua loja recrutou quem tivesse os parcos conhecimentos musicais necessários para formar a banda Sex Pistols. Acrescentaram à música simples e alucinada dos punks americanos letras anarquistas e mais agressivas. Seu primeiro hit foi Anarchy In The Uk, em 1975.
O punk criado nos estados unidos e popularizado na Inglaterra (onde logo viria a se tornar um movimento social do proletariado e não mais apenas um estilo musical) foi uma resposta necessária ao rock que estava se levando a sério demais, aos álbuns duplos conceituais, aos solos de dez minutos e às bandas que perdiam de vista o caráter de diversão do rock. O punk embora considerado por muitos anti-música foi na pior das hipóteses um mal necessário para mostrar e conter alguns exageros do progressivismo.
Em 1977 o primeiro disco dos Sex Pistols, Nevermind The Bollocks entraria direto no primeiro lugar da parada britânica. Aos Sex Pistols se seguiriam dezenas de bandas inglesas e americanas como Clash, Damned, Siouxie and The Banshees, além de serem resgatadas e tiradas do anonimato bandas como Ramones e Blondie.
O estilo também influiria embora indiretamente na sonoridade de novas bandas que surgiam, como Motörhead e AC/DC. O punk também absorveria elementos de outros estilos (como o reggae, por exemplo, de temática e musicalidade semelhantes em sua simplicidade). Bandas como The Police, Simple Minds e Pretenders (e um pouco mais tarde U2) adotariam um estilo que viria a ser conhecido como new wave, mais facilmente aceitável que o punk (cuja fórmula inicial já não surtia tanto efeito comercialmente).
Motörhead
Mas o punk e a new wave não eram a única alternativa à onda "disco" que assolava a música. Começava a se formar na Inglaterra com bandas como Judas Priest, Samsom e principalmente Iron Maiden o que viria a ser conhecido como New Wave Of British Heavy Metal, a resposta do som pesado e elaborado à sonoridade simples do punk. O hard rock também dava sinais de renovação com o primeiro álbum auto-entitulado da banda Van Halen em 1978.
Apesar do fim dos Sex Pistols em 1978 (com a fórmula tão esgotada quanto os próprios músicos após uma imensa tour pelos Estados Unidos) e da morte do anti-heroi, simbolo do punk, Sid Vicious (de overdose, após conseguir liberdade condicional da prisão onde estava por ter supostamente assassinado a namorada) em 1979, o rock nunca mais seria o mesmo após a onda punk.
A história não costuma se restringir a limites de tempo/espaço muito rígidos. Assim, é difícil dizermos exatamente quando e onde começaram os ditos anos 70. Talvez em 68, 69, 70 ou até mesmo em 71.
Os anos 70 começam quando terminam os anos 60. E isto pode ter sido em maio de 68, em Paris, durante a primavera de Praga, ou quem sabe, em agosto de 69, em Woodstock, quando Jimmy Hendrix mesclou o hino dos EUA com o som das bombas que explodiam no Vietnã.
Mas podemos afirmar com certeza que quando Lennon disse "O Sonho Acabou" [em 1970, com a dissolução dos Beatles], já estávamos nos anos 70. Assim, podemos combinar, cá entre nós, que a década começou no momento em que perdeu-se a inocência e a crença nos ícones e bandeiras dos 60.
Este foi um processo lento. Colaboraram para ele o assassinato da atriz Sharon Tate por um grupo de fanáticos liderado por Charles Manson em 1969, as mortes de Jimmy Hendrix e Janis Joplin em 1970, de Jim Morrison em 1971 e até a chegada solitária do homem à Lua em 1969, imagem célebre que coroou não só o fim de uma década mas, principalmente, o início de outra.
Não podemos afirmar que o início dos anos 70 tenha sido o fim da revolução lançada pelas enormes conquistas dos anos 50 e 60. Ao contrário, assistimos muitas vezes ao aprofundamento desses avanços.
O que mudou, afinal, foram as formas de manifestação e expressão que acabaram se tornando mais sutis, menos ingênuas, e até mais debochadas. Fomos nos tornando mais cínicos à medida que as autoridades se tornaram mais repressoras. Aprendemos assim a escrever nas entrelinhas, a deixar o dito pelo não-dito, ou, nas palavras do poeta e compositor tropicalista, morto em 1972, Torquato Neto, começamos a "ocupar espaço, amigo, eu digo: brechas (...) Eu acredito firme que sem malandragem não há salvação".
David Bowie na capa do disco "Aladdin Sane", de 1973, que, junto com "Ziggy Stardust" (1972), fez o ápice de sua fase glitter
A moda, por sua vez, continuou revolucionária com muita experimentação de materiais, cores, formas e texturas. A estética hippie ganhou espaço com a psicodelia e atingiu o mainstream. Era a vez do o hippie-chic com as estampas multicoloridas de Pucci e os tecidos de estilo cashmere das roupas indianas. As indefectíveis calças boca-de-sino com sapatos plataforma instituíram o unissex na moda e a minissaia [lançada nos anos 60] ainda marcou presença no início dos 70, desaparecendo inexplicavelmente até o começo da década seguinte, quando voltou para ficar.
ELTON JOHN SHOES
No início dos anos 70, surgiu a onda glitter: a nova moda futurista, andrógina, metálica e espacial sintetizada na figura camaleônica do roqueiro David Bowie.
O hedonismo dos festivais de rock ao ar livre, a celebração da vida alternativa, do amor livre, das drogas, do "flower power", foi cedendo espaço para a individualização, para o culto ao prazer e para o sexo casual em espaços fechados - as discotecas.
Neste momento, Andy Wahrol proclama: "no futuro todos serão famosos por 15 minutos". Assim, cada um de nós, simples mortais, começamos a correr atrás dos nossos 15 minutos, "travolteando" nos embalos de sábado à noite.
Cena clássica do filme "Embalos de Sábado à Noite" (1978), com John Travolta arrepiando nas pistas ao som dos Bee Gees
Por outro lado, o rock progressivo com influência da música erudita foi se afastando das raízes originais do estilo tornando-se cada vez mais elaborado.
Em meados da década, porém, a superficialidade disco e a afetação dos concertos orquestrais de rock começaram a incomodar os inconformistas de plantão. A reação a este estado de coisas não demorou. E veio com tudo: o movimento punk. Até hoje não se fez jus à verdadeira importância da revolução punk, e sua contribuição cultural ainda não foi devidamente considerada e reconhecida.
O punk foi simultaneamente a resposta à frivolidade disco, à ingenuidade hippie e ao rebuscamento do rock progressivo.
À dúvida dos anos 70, herdada dos 60, "ficar à margem do sistema ou integrar-se ao sistema", os punks responderam: nem uma coisa nem outra. A nova proposta era destruir o sistema, substituindo a velha ordem hipócrita, injusta e desigual por uma sociedade mais verdadeira e honesta.
Não é por acaso que o movimento eclodiu em bairros operários dos subúrbios da Inglaterra. Era lá que a crise econômica estava mais brava e era lá também que a mentalidade pequeno-burguesa era mais conservadora.
A banda punk inglesa Sex Pistols em cena do documentário "O Lixo e a Fúria" (1999), de Julien Temple, testemunha ocular da história
Mas os punks defendiam também o direito à diversão, à liberdade, à alegria simples e genuína de uma música de três acordes falando da vida comum de pessoas comuns.
E assim, para concluir, qual foi afinal, o legado dos anos 70? Talvez seja luta pela liberdade de expressão em todas as suas dimensões. A luta pelo fim da censura, pela igualdade de condições e oportunidades para homens e mulheres, pela liberdade de opção sexual, liberdade para criar sua própria moda com o "faça você mesmo", liberdade para dançar como quiser - "dance bem, dance mal, dance sem parar"...
Até hoje, a década é uma referência para os criadores de moda, que se inspiram nas múltiplas tendências dos anos 70: hippie, glitter, disco, punk e até a moda engajada, que, ironicamente, chegou a adotar o estilo militar nas roupas.
Por isso, para o Brasil pelo menos, talvez os anos 70 não tenham terminado em 1979, mas um pouco depois, com a luta pela abertura política, com a luta pelas "Diretas Já" em 1984, com o amadurecimento de uma produção cultural de peso no cinema, na música, na televisão, ou até mesmo, em 1982, com a derrota da Seleção Brasileira na Copa, doze anos depois da conquista do tri.
E hoje, mais de trinta anos depois do "Concerto para Bangladesh" [primeiro show beneficente do rock feito em prol dos refugiados de Bangladesh e idealizado pelo ex-beatle George Harrison] assistimos a inúmeras iniciativas semelhantes, o amadurecimento das ONGs (Organizações Não Governamentais) e o surgimento de uma mentalidade mais solidária, provando que foi possível conservar o legado idealista da década de 60 através dos conturbados anos do fim do século 20 até estes não menos confusos primeiros dias do século 21.
Moda na Década de 70
A década de 70 foi um tempo onde todas as culturas e estilos reclamaram seu espaço ao mesmo tempo. Chocar, antes de mais nada, era a intenção principal.
É por isso que essa época também é marcada por um modo de vestir "tudo junto". Para alguns, quanto mais disparate a combinação, melhor.
Os hippies, que já haviam surgido nos anos 60, já consolidaram um movimento cultural com expressões que iam da música ao estilo de vida. Flores, liberdade e orientalismo eram suas marcas registradas.
Ao mesmo tempo, escândalos políticos e desarranjos econômicos explodiam por todo o mundo, semeando as bases para revoltas e crises que surgiram adiante.
Essa explosão de elementos deu aos designers um vasto material para trabalho, com a segurança de um público ansioso por novidades.
Outros, entretanto, não abriram mão do romântico e natural. Por isso, diversas décadas passadas se transformaram em fonte de inspiração, como os anos 20 e o início do século. Biba, Ossie Clark e Yves St. Laurent foram expoentes desse estilo.
No final da década, o filme Saturday Night Fever inaugurou a Era Disco. Apesar de ter pouca duração, seus efeitos podem ser sentidos até hoje. Suas cores, brilhos, formas são desejos explorados pelos estilistas de todas as décadas seguintes.
Foram nos anos 70 que os sapatos plataforma voltaram à moda, renovado por adornos, e unissex. Aliás, o modo unissex de vestir se fortalece no final dos anos 70 e início da próxima década. Shorts curtos, botas de diversos tamanhos, saltos grossos e acessórios são apenas alguns exemplos desse novo modo de encarar o feminino/ masculino, sem falar nos esportes, que cada vez mais conquistavam adeptos.
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