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domingo, 20 de maio de 2012

O filho de Elton John



O filho de Elton John
Maria Berenice Dias
Advogada
Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça-RS
Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM
www.mariaberenice.com.br

http://www.mariaberenice.com.br/uploads/o_filho_de_elton_john_-_s.pdf



Filhos que os pais não querem ou não podem exercer o poder familiar
sempre existiram.  Legiões de crianças abandonadas, jogadas no lixo,
maltratadas, violadas e violentadas, escancaram esta realidade. A sorte é que
existem milhões de pessoas que desejam realizar o sonho de ter filhos.
Daí o instituto da adoção, um dos mais antigos que se tem notícia.
Agilizar este processo de encontrar um lar para quem quer alguém para
chamar de pai e de mãe deve ser a preocupação maior do Estado, pois não há
solução pior do que manter abrigados crianças, adolescentes e jovens.
Mas a onda fundamentalista e conservadora que vem tomando conta
deste país tem gerado empecilhos de toda a ordem para solucionar grave
problema social. Apesar de este ser um número que ninguém quer admitir,
existem mais de 100 mil menores de 18 anos de idade literalmente depositados
em instituições sobre as quais o Estado não consegue manter qualquer
controle. O Cadastro Nacional da Adoção busca mascarar este número, ao
indicar um pequeno contingente de crianças disponíveis à adoção, o que só
revela a enorme dificuldade de agilizar o processo de destituição do poder
familiar.


A Lei 12.010/2009, a chamada Lei Nacional da Adoção, não faz jus ao
nome, pois só veio dificultá-la. Na injustificável tentativa de manter a criança
com a família biológica se olvida que esta é a pior solução. Além de a justiça
levar muito tempo na busca de algum parente que a deseje, nem sempre ela
ficará em situação regular. A primeira tentativa é entregar a criança aos avós.
Como eles não podem adotá-lo, terão somente a guarda do neto, o que o deixa
em condição das mais precárias. Ao depois, sempre será estigmatizado como
o filho de quem não o quis e assim se sentirá quando encontrar a mãe nas
reuniões de família.

Fora isso, é tal a burocracia para disponibilizar crianças à adoção que,
quando finalmente isso acontece, muitas vezes ninguém mais as quer e os
candidatos a adotá-las perderam a delícia de compartilhar da primeira infância
do filho que esperaram durante anos na fila da adoção. É tão perverso o cerco
para impedir o acesso a crianças abrigadas que os adotantes sequer são
admitidos para realizar trabalho voluntário. E quem não está cadastrado
simplesmente não pode adotar.

Ao depois, de modo muito frequente, por medo de serem multados,
juízes e promotores arrancam crianças dos braços dos únicos pais que elas
conheceram para entregá-las ao primeiro casal habilitado, sem atentar que
estão impondo uma nova perda a quem teve a desdita de ter sido relegado.

Tudo em nome do respeito aos malsinados cadastros que deveriam servir para
agilizar a adoção e não para obstaculizá-la.
Mas é necessário chamar a atenção para uma nova realidade que não é
possível encobrir. Em face das enormes percalços impostos à adoção, ao invés
de se sujeitarem a anos de espera, quem deseja ter filhos está fazendo uso
das modernas técnicas de reprodução assistida.

O nascimento do filho do cantor Elton John e de seu marido David
Furnish é um exemplo emblemático. Depois de terem tentado, sem sucesso,
adotar um órfão ucraniano, portador do vírus HIV, fizeram uso da gestação por
substituição, a chamada barriga de aluguel, que ocorreu nos Estados Unidos,
por ser procedimento não aceito na Inglaterra.






Aliás, o documentário da HBO denominado “Google Baby” mostra a
existência de uma verdadeira indústria que comercializa fertilizações e está
sendo utilizada com enorme desenvoltura. Os candidatos escolhem via internet
a mulher que se dispõe a vender seus óvulos. Ela se submete a um tratamento
que multiplica o número de óvulos, que são extraídos, congelados e
transportados para que a inseminação seja feita no país onde os contratantes
residem. Depois da fecundação o embrião é levado para a Índia, onde o
procedimento é permitido e os custos são baixos. Implantado em mães
gestacionais, elas ficam confinadas durante a gravidez. Após o nascimento, o
filho é entregue a quem contratou o serviço, que o registra em seu nome.
Apesar de esta ser uma prática legítima, tem um efeito assustador, pois
impede que as crianças abandonadas que se encontram espalhadas pelo
mundo tenham a chance de conseguirem uma família. Quem sabe perdem a
única possibilidade que teriam de sobreviver.

Não tivesse o governo da Ucrânia, de forma para lá de preconceituosa,
impedido a adoção homoparental, certamente a criança que o casal britânico
havia escolhido estaria a salvo da morte por inanição, destino mais provável de
milhões de crianças dos chamados países do terceiro mundo. Aliás, da mesma
injustificável recusa foram alvo Madonna e Angelina Jolie quando desejaram
adotar crianças dessas regiões.



Mesmo diante de todo o avanço econômico que tem empolgado os
brasileiros, a realidade por aqui não é diferente. A lei não proíbe, mas também
não admite de forma expressa a adoção por casais homoafetivos, o que leva
ainda alguns juízes a negar-lhes a habilitação conjunta.

Assim a solução que vem sendo encontrada por quem só deseja
concretizar o sonho de ter uma família com filhos é simplesmente gestá-los. Se
seus, se adotados ou fertilizados em laboratório, não importa, muitos querem
ter direito à convivência familiar.

O fato é que Estado não pode esquecer que tem o dever de cumprir o
preceito constitucional de dar proteção especial, com absoluta prioridade, a
crianças, adolescentes e jovens. E, se o caminho da adoção é obstaculizado
sobra um contingente de futuros cidadãos a quem é negado o espaço de
felicidade almejado por todos: o direito um lar doce lar.


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